EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. TRANSPORTE DE SIMPLES CORTESIA OU BENÉVOLO EM CARROCERIA ABERTA, SEM PROTEÇÃO. CULPA GRAVE (MODALIDADE CULPA CONSCIENTE) CONFIGURADA. VALOR DA CONDENAÇÃO. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284⁄STF. 1.Em se tratando de transporte desinteressado, de simples cortesia, só haverá possibilidade de condenação do transportador se comprovada a existência de dolo ou culpa grave (Súmula 145⁄STJ). 2.Resta configurada a culpa grave do condutor de veículo que transporta gratuitamente passageiro, de forma irregular, ou seja, em carroceira aberta, uma vez que previsível a ocorrência de graves danos, ainda que haja a crença de que eles não irão acontecer. 3.Não é possível o conhecimento da pretensão de redução da condenação, pois o recorrente não apontou qualquer lei que teria sido vulnerada pelo acórdão recorrido. Aplica-se, por analogia, na espécie, o disposto na Súmula 284 do STF: É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia. 4.Recurso especial desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ⁄BA), Massami Uyeda e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Brasília (DF), 18 de fevereiro de 2010(Data do Julgamento)
MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS)
Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 685.791 - MG (2004⁄0119848-8)
RELATOR : MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS)
RECORRENTE : JOSÉ AURELIANO DA SILVA
ADVOGADO : GETULIO BARBOSA DE QUEIROZ E OUTRO(S)
RECORRIDO : GERALDA CARLOS DA SILVA
ADVOGADO : EDUARDO LOPES DA SILVA
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS) (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por JOSÉ AURELIANO DA SILVA, com arrimo no art. 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.
Noticiam os autos que, em março de 1999 foi ajuizada ação ordinária movida por GERALDA CARLOS DA SILVA contra JOSÉ AURELIANO DA SILVA, visando receber indenização em razão do acidente de trânsito que vitimou José Vicente da Silva, esposo da ora recorrida.
Consta, à fl. 210, que a vítima estava viajando na carroceria do caminhão de propriedade do recorrente, momento em que chocou-se com uma corda - esticada de um lado a outro da rua -, caindo no chão e lhe causando incapacidade e invalidez.
Em primeiro grau o pedido foi julgado improcedente, sob o fundamento de que a autora não teria demonstrado os fatos constitutivos do seu direito.
Inconformada, a autora manejou recurso de apelação requerendo a reforma da sentença de acordo com o pedido da inicial, ao argumento, em síntese, de que o veículo envolvido no acidente é de propriedade do réu, e que, na ocasião do acidente, a vítima estava sendo transportada de forma irregular.
A Segunda Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, por unanimidade de votos dos seus integrantes, deu parcial provimento ao recurso, em aresto da relatoria do Juiz Pereira da Silva, assim ementado:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ACIDENTE DE TRÂNSITO - TRANSPORTE GRATUITO - CARONA - RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA - CAMINHÃO - TRANSPORTE DE PASSAGEIROS NA PARTE TRASEIRA - INADEQUAÇÃO - AGRAVO RETIDO - FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.
- A falta de fundamentação do Agravo Retido acarreta não seja ele conhecido por falta de pressuposto objetivo.
- O transporte gratuito não se constitui em um negócio jurídico. Caracteriza, sim, um ato não negocial. A importância desta distinção reside no fato de que, não sendo ele um negócio jurídico, a responsabilidade a imperar entre condutor e conduzido é a responsabilidade civil subjetiva.
- A Súmula 145 do colendo Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, estabelece que, em se tratando de transporte gratuito, o transportador somente poderá ser responsabilizado se agir com dolo ou culpa grave.
- O transporte de passageiros, em carroceria de caminhão, inadequada para tal fim, já que aberta e sem qualquer proteção, demonstra enorme imprudência do condutor do veículo, hábil a ensejar a devida reparação dos danos ocasionados ao passageiro vítima de acidente.
- Segundo a Súmula 341 do Pretório Excelso, é presumida a culpa do patrão, pelos atos culposos de seu empregado.
- Agravo retido não conhecido e apelação parcialmente provida.
Irresignado, o demandado interpôs recurso especial com base nas alíneas a" e "c" do permissivo constitucional. Alega violação do art. 186 do Código Civil, bem como divergência jurisprudencial, ao argumento de que não restou configurada a culpa, pelos seguintes motivos: i) caracterização do transporte como puramente gratuito; ii) inexistência de dolo ou culpa grave. Pugna, ainda, a redução do valor da condenação, fixado em R$ 48.000,00 (quarenta e oito mil reais).
Apresentadas as contra-razões (fls. 282-286), o recurso teve inadmitido o seu processamento (fls. 305-309), ascendendo os autos a esta Corte, em virtude de provimento de agravo (fls. 310).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 685.791 - MG (2004⁄0119848-8)
RELATOR : MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS)
RECORRENTE : JOSÉ AURELIANO DA SILVA
ADVOGADO : GETULIO BARBOSA DE QUEIROZ E OUTRO(S)
RECORRIDO : GERALDA CARLOS DA SILVA
ADVOGADO : EDUARDO LOPES DA SILVA
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS) (Relator): Prequestionado, ainda que implicitamente, o dispositivo legal apontado pelo recorrente como malferido, e preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade recursal, impõe-se o conhecimento do especial.
Cinge-se a controvérsia em analisar se o condutor de veículo que transporta gratuitamente passageiro, de forma irregular, ou seja, em carroceira aberta, configura culpa grave.
Sob os argumentos de que houve um transporte gratuito e a inexistência de dolo ou culpa grave, entende o recorrente que deve ser afastada a responsabilidade pelo acidente de trânsito que vitimou o esposo da recorrida.
Inicialmente, no que tange à questão da natureza do transporte, se decorreu de uma relação contratual ou de um ato não negocial, a Corte de origem entendeu tratar-se de transporte gracioso, conforme demonstra o trecho transcrito abaixo (fl. 257-258):
O apelado insiste na tese de que o falecido José Vicente ganhou uma "carona". Neste aspecto, concordo com ele. Constata-se que o acidente em comento ocorreu às 21h do dia 29⁄11⁄1996, não se mostrando crível que o falecido, naquele horário, ao retornar de uma festa de casamento, estivesse a trabalho.
Corroboram esta conclusão os relatos registrados no Boletim de Ocorrência, que nos dá conta de que:
"segundo as testemunhas, a referida vítima encontrava-se em uma festa na residência da noiva de seu filho, que estavam comemorando dia do casamento. Em dado momento, pediu uma carona ao condutor do veículo até a sua residência, o que foi atendido"
Sobre o tema, Ruy Rosado de Aguiar, em trabalho dedicado ao exame dos contratos de transporte de pessoas, preleciona que:
“No transporte benévolo, há, de qualquer modo, uma relação entre o transportador e o transportado, apenas não há contrato, e a ele não se aplicam às regras da responsabilidade contratual. Incidem as disposições da responsabilidade extracontratual, com uma importante limitação: somente se reconhece a responsabilidade do transportador quando agir com culpa grave ou dolo” (in, AGUIAR, Ruy Rosado de. Contrato de Transporte de Pessoas e o Novo Código Civil. BDJur- Biblioteca Digital do Superior Tribunal de Justiça.)
Nesse sentido, aliás, consolidou-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, sintetizada na Súmula 145, verbis: “No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave”.
Desse modo, frente a tal perspectiva, importa, pois, verificar se a atuação do motorista na direção do veículo acidentado pode ser enquadrada como dolosa ou culposamente grave.
Quanto ao aspecto doloso, não há no aresto combatido, qualquer indício de que a atuação do réu tenha se revestido de tal intenção, motivo por que, sem maiores dificuldades, é de se concluir inviável imputar-lhe responsabilidade a esse título.
No que se refere à possível existência de culpa grave, necessário analisar detidamente alguns aspectos fáticos retratados nos autos. Contudo, mostra-se pertinente discorrer sobre o conceito de culpa grave.
Para Sérgio Cavalieri Filho:
Examinado pelo ângulo da gravidade, a culpa será grave se o agente atuar com grosseira falta de cautela, com descuido injustificável ao homem normal, impróprio ao comum dos homens. É a culpa com previsão do resultado, também chamada culpa consciente, que se avizinha do dolo eventual do Direito Penal. Em ambos há previsão ou representação do resultado, só que no dolo eventual o agente assume o risco de produzi-lo, enquanto na culpa consciente ele acredita sinceramente que o evento não ocorrerá. (in, FILHO, Sérgio Cavalieri, Programa de Responsabilidade Civil, 3ª ed. Ed. Malheiros, São Paulo, 2002, p. 49)
Em outros termos, por quase se aproximar do dolo, essa espécie de culpa pode ser entendida como “consciente”, pois, no entendimento de Silvio Venosa, “... o agente assume o risco de que o evento danoso e previsível não ocorrerá” (in, VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil IV- Responsabilidade Civil. 7ª ed. Ed. Atlas, São Paulo, 2007, p.25).
Será, portanto, com esse pano de fundo que se procederá à análise da responsabilidade do recorrente frente ao evento descrito nos autos.
A situação fática delimitada no acórdão, à fl. 259, é a seguinte:
O Apelado debita a causa do acidente à brincadeira de crianças, cuja corda por elas amarrada em dois postes, na extremidade de uma rua, veio a arrebatar a vítima, que, então, caiu do caminhão em que estava sendo transportada e chocou-se com o chão.
A par de tal circunstância, o Tribunal a quo concluiu que (fl. 259-260):
Tenho, no entanto, que a causa eficaz para a ocorrência do acidente não foi a existência da corda. A causa eficaz para a ocorrência do acidente, a meu ver, foi a falta de segurança proporcionada pelo veículo, cuja guarda estava nas mãos do Apelado, não sendo apto ao transporte de pessoas.
O veículo em questão era um caminhão Ford F 4000, carroceria aberta, sem qualquer proteção, mas que, a despeito disto, estava transportando pessoas na sua parte externa. Fosse a carroceria adequada para o transporte de passageiros, o acidente, com toda certeza, não teria ocorrido.
Não há como negar tenha sido o empregado do Apelado imprudente ao aceitar que o falecido pegasse uma "carona" na parte externa do caminhão, que não tinha qualquer proteção adequada para o transporte de passageiros. E tal atitude, para mim, caracteriza culpa grave, hábil a ensejar a reparação dos danos oriundos do acidente em questão.
E tanto tal transporte é perigoso que o atual Código de Trânsito Nacional (artigo 235), em regra, proíbe o seu exercício. Evidente que a simples infração administrativa não conduz, necessariamente, à responsabilização civil. Fique claro, entretanto, que a condução de pessoas, na parte externa de veículo inadequado (caminhão), é uma atitude perigosa, que pode vir a gerar danos para aqueles que são conduzidos.
Diante da moldura fática acima apresentada, a peculiar situação dos autos, no que diz respeito à presença do elemento culpa grave, apta a caracterizar a responsabilidade pelo dano causado ao autor, tenho que seus traços exsurgem da conduta do recorrente.
Com efeito, vislumbro a presença de ato censurável por parte do recorrente, uma vez que restou incontroverso o transporte de pessoa em veículo inadequado ao transporte de passageiros.
No caso dos autos, resta evidente que o recorrente deixou de adotar as cautelas necessárias e diligência média que o homem comum deve observar, no sentido de proporcionar segurança no transporte de pessoa, sem desnecessária exposição a risco de lesões físicas e à própria vida humana. Resta configurada, assim, a culpa grave.
É cediço os perigos que o transporte inadequado em carroceria aberta proporcionam ao passageiro, sendo previsível a ocorrência de danos graves, ainda que haja a crença de que eles não irão acontecer.
Vale repetir, a conduta do motorista configura uma censura marcada por um agir altamente culposo, pois não procedeu com a devida precaução ao realizar o transporte de pessoa, ainda que de cortesia, em veículo não apropriado para tal fim, assumindo, portanto, os riscos que o transporte de passageiro sem a mínima proteção acarretam.
Por fim, quanto à pretensão de redução da condenação, o recorrente não apontou qualquer lei que teria sido vulnerada pelo acórdão recorrido. Aplica-se, por analogia, na espécie, o disposto na Súmula 284 do STF: É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É o voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2004⁄0119848-8 REsp 685791 ⁄ MG
Números Origem: 20000006113 200400314144 3781597
PAUTA: 18⁄02⁄2010 JULGADO: 18⁄02⁄2010
Relator
Exmo. Sr. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS)
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO VIEIRA BRACKS
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : JOSÉ AURELIANO DA SILVA
ADVOGADO : GETULIO BARBOSA DE QUEIROZ E OUTRO(S)
RECORRIDO : GERALDA CARLOS DA SILVA
ADVOGADO : EDUARDO LOPES DA SILVA
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Responsabilidade Civil
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ⁄BA), Massami Uyeda e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Brasília, 18 de fevereiro de 2010
MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
Secretária
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. STJ - Civil. Responsabilidade civil. Acidente de Trânsito. Transporte de simples cortesia ou benévolo em carroceria aberta, sem proteção Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jul 2011, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/jurisprudências /24990/stj-civil-responsabilidade-civil-acidente-de-transito-transporte-de-simples-cortesia-ou-benevolo-em-carroceria-aberta-sem-protecao. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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